quarta-feira, 31 de março de 2010

O POTE DE FERRO

Apesar de em algumas casas de Trás-os-Montes ainda se utilizar o pote de ferro, vemos gradualmente o uso deste utensílio de cozinha a desaparecer. Hoje recorda-se com saudosismo o tempo em que se cozinhava nestes potes. Até a comida sabia melhor! Dedico este post a esse objecto ancestral onde os nossos avós cozinhavam o caldo e as batatas, num tempo em que não havia fogões a gaz.

Deixo abaixo um texto escrito pela sr.ª Elisa Pascoal retirado do Jornal Arauto n.º 17 que retrata bem como eram os tempos em que as pessoas se reuniam nos serões à volta da fogueira e onde os potes tinham um lugar de destaque no seio das famílias:


"Pote de ferro, hoje peça decorativa…



Lembranças da minha infância.


Hoje é a vez da famosa panela de ferro fundido, mais conhecida por pote, também conhecida pela panela de três pés.


Ainda me lembro dos potes, de vários tamanhos estrategicamente colocados á volta da fogueira, na lareira da cozinha, tanto na casa dos meus avós como na dos meus pais e mais tarde na dos meus sogros, assim como em todos os lares da aldeia.


Ainda me recordo do sabor dos alimentos aí cozinhados, pelo tempo da matança do porco e do agradável sabor e do ritual á hora das refeições, principalmente do jantar onde a refeição predominante era os chícharros…


Recordo-me das histórias, verídicas, contadas vezes sem conta pelo meu sogro, do tempo em que os potes de 20 e 30 litros ou mais se enchiam de caldo, para dar de comer a famílias inteiras que vinham ajudar nos trabalhos agrícolas, aproveitando para matar a fome também aos filhos.


A pouco e pouco foram surgindo novas tecnologias e actualmente são raras as pessoas mesmo nas aldeias que não se renderam aos modernos utensílios de material mais prático e apelativo, abandonando quase por completo o tradicional pote de ferro. Muitos deles é-lhes dada nova função… assumem o papel de “ vasos” ostentando belas espécies de plantas e flores decorando varandas, alpendres, etc.


Junto dos potes encostava os meus pés ao borralho e com a tenaz ia remexendo no lume horas e horas como num encantamento!!! Os meus pais ralhavam “ estás a mexer no lume vais fazer xixi na cama” era uma maneira de eles me fazerem parar de mexer no lume que depois de tanto mexer acabava por se apagar.


Por vezes chegávamos com algumas castanhas que eu e os meus irmãos, metíamos no borralho e ficávamos ansiosos à espera… era cada salto quando elas rebentavam espalhando a cinza , deixando-nos de boca aberta a olhar sem lhe sentir o sabor…


Era também junto da lareira que na noite de consoada deixávamos os sapatinhos que no dia seguinte dia, de Natal, logo pela manhã corríamos à procura dos presentes aí colocados pelos nossos pais fazendo-nos crer que era o menino Jesus que descia pela chaminé.


Perante todas e estas e outras recordações restou-me a opção de adquirir uma peça nova, pois só um pote usado e repleto de recordações serviria os meus objectivos.


Visto isto à distância no tempo, acabam por ser boas lembranças, no meio de outras. Hábitos que a modernidade dispensa mas que a memória não apaga."



Elisa Pascoal




Continuando a falar em potes, a Casa do Povo de Vilarandelo que foi fundada há já 66 anos, após a sua fundação e em tempos muito difíceis, começou por servir a “sopa dos pobres”, feita em potes de ferro, aos mais carenciados, que eram muitos. A foto que vemos em baixo foi retirada do jornal Arauto, sendo que dois destes potes levavam cada um 8 almudes, e o terceiro 6 almudes. Para quem não sabe o almude é igual a 25 litros. Faziam-se diariamente 6 almudes de leite e 10 almudes de sopa.








1 comentário:

Graça Gomes disse...

Um belíssimo elogio ao pote ou panela de três pés, como lhe queiramos chamar. Pelo papel que desempenhou nas comunidades rurais merece que não o esqueçamos.
Parabéns, Elisa, por nos presentear com estas memórias.
Parabéns ao Paulo por fazê-las chegar até nós.